O Culto da “Energia Positiva” — Explicado Devagar
Já ouviste estas frases vezes sem conta:
- “Protege a tua energia.”
- “Rodeia-te de boas vibrações.”
- “As pessoas negativas drenam-te.”
Soa profundo, não é? Mas a verdade incómoda é esta: toda a obsessão com energia positiva e negativa assenta num acidente de vocabulário com 300 anos — não numa sabedoria ancestral. E desse acidente nasceu um mercado inteiro de bem-estar.
Franklin Estava a Nomear, Não a Moralizar
No século XVIII, Benjamin Franklin andava a brincar com eletricidade estática — a esfregar varetas de vidro, a observar faíscas, até a voar um papagaio com uma chave de metal durante uma tempestade. Reparou que a eletricidade parecia ter duas formas. Para as distinguir nas notas, precisava de rótulos.
- Podia ter escolhido “A” e “B”.
- Podia ter escolhido “galinha” e “cabra”.
Imagina hoje uma aula de yoga: “Querida, a tua energia de cabra está bloqueada — vamos realinhar as galinhas.”
Mas Franklin escolheu positivo e negativo. Não porque um fosse bom e o outro mau — apenas porque eram opostos. Pura conveniência de linguagem.
A Armadilha da Palavra
E aqui começou o problema. No dia a dia, “positivo” soa a bom e “negativo” soa a mau. Com o tempo, a neutralidade dos rótulos de Franklin foi confundida com juízos morais:
- Positivo = elevado, curativo, puro.
- Negativo = tóxico, desgastante, mau.
Nada disto tinha sido a intenção de Franklin. Mas a confusão instalou-se — e a indústria do bem-estar não perdeu a oportunidade.
Do Vocabulário ao Mercado
Hoje, “energia positiva” é um produto:
Quartzo rosa para “absorver negatividade”.
Ametista para “elevar a vibração”.
Candeeiros de sal dos Himalaias a €120 que parecem batatas radioativas, supostamente a “purificar a tua aura”.
Pedras não limpam estados de espírito. São pedras.
E enquanto isso, os “curadores de energia” prometem desbloquear fluxos com fumo de sálvia e música ambiente. Pergunta-lhes o que é “energia” e vais ouvir palavras como “frequência” e “vibração.” Tradução: não sabem, mas soa místico o suficiente para cobrar €200 por um workshop de fim de semana.
O Instagram tratou de industrializar o conceito: “Good vibes only.” “Your vibe attracts your tribe.” Colado em pores-do-sol, poses de yoga, cappuccinos. As “vibrações” deixaram de ser emoções — tornaram-se branding.
A Física Que Ninguém Quer Explicar
Na realidade, “positivo” e “negativo” vêm da física. Os átomos têm protões (carga positiva) e eletrões (carga negativa). Os protões ficam no núcleo, os eletrões movem-se — e esse movimento é eletricidade.
- O relâmpago? Eletrões a escapar de uma nuvem carregada.
- O batimento cardíaco? Um impulso elétrico pelo músculo.
- O pensamento? Variações de voltagem nos neurónios.
Sem cargas negativas, nada dispara, nada bate, nada pensa. “Negativo” não é mau — é metade do circuito da vida.
A Ilusão da Transferência de Energia
Mas o mito vai mais longe: a ideia de que uma pessoa pode “dar” energia a outra, e que essa energia sabe exatamente onde ir. Como se o cansaço fosse uma bateria fraca e alguém pudesse recarregar-te sem fios.
Se fosse assim, os hospitais contratavam curadores de Reiki em vez de equipas de cuidados intensivos. A energia não tem GPS. Os eletrões não dizem: “Vamos reparar os rins hoje.”
Então porque é que às vezes as pessoas se sentem melhor depois destes rituais? Porque algo real acontece — mas não o que está a ser vendido.
O toque e a presença acalmam o sistema nervoso.
A expectativa e a crença ativam o efeito placebo — mudanças reais na forma como o cérebro processa dor, stress e humor.
A ligação social baixa o cortisol e aumenta a oxitocina.
É por isso que estes rituais de “energia” parecem funcionar. O ritual foca a atenção, cria expectativa e transmite cuidado. O corpo responde. O efeito é real — mas a explicação está errada.
O Que Isto Significa na Massagem
A massagem é um exemplo perfeito. Quantos clientes dizem sentir-se “recarregados” ou “cheios de energia” depois de uma sessão? Mas não houve nenhuma transferência mística. O que houve foi:
Libertação muscular, mudando os sinais enviados ao sistema nervoso.
Ativação do sistema parassimpático, abrando coração e respiração.
Toque, confiança e crença a reforçarem o efeito placebo, amplificando o alívio.
O resultado parece “fluxo de energia” porque o corpo mudou de estado. Não por correntes invisíveis, mas por biologia + expectativa, enquadradas num ato de cuidado humano.
Conclusão
O culto da “energia positiva” nasceu de um rótulo que Franklin precisou de escrever no caderno, não de sabedoria universal. Mas desse acidente nasceram candeeiros de sal, hashtags, retiros e pseudo-ciência a render milhões.
Da próxima vez que alguém disser “protege a tua energia”, traduz com precisão: “Eu preocupo-me contigo.” E isso já basta. Porque a energia real não quer saber das tuas vibrações — mas o teu sistema nervoso, esse sim, responde.