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O Culto da “Energia Positiva”

O acidente de vocabulário que construiu uma indústria do bem-estar de mil milhões.
August 19, 2025 by
O Culto da “Energia Positiva”
Carlitos

O Culto da “Energia Positiva” — Explicado Devagar

Já ouviste estas frases vezes sem conta:

  • “Protege a tua energia.”
  • “Rodeia-te de boas vibrações.”
  • “As pessoas negativas drenam-te.”

Soa profundo, não é? Mas a verdade incómoda é esta: toda a obsessão com energia positiva e negativa assenta num acidente de vocabulário com 300 anos — não numa sabedoria ancestral. E desse acidente nasceu um mercado inteiro de bem-estar.

Franklin Estava a Nomear, Não a Moralizar

No século XVIII, Benjamin Franklin andava a brincar com eletricidade estática — a esfregar varetas de vidro, a observar faíscas, até a voar um papagaio com uma chave de metal durante uma tempestade. Reparou que a eletricidade parecia ter duas formas. Para as distinguir nas notas, precisava de rótulos.

  • Podia ter escolhido “A” e “B”.
  • Podia ter escolhido “galinha” e “cabra”.

Imagina hoje uma aula de yoga: “Querida, a tua energia de cabra está bloqueada — vamos realinhar as galinhas.”

Mas Franklin escolheu positivo e negativo. Não porque um fosse bom e o outro mau — apenas porque eram opostos. Pura conveniência de linguagem.

A Armadilha da Palavra

E aqui começou o problema. No dia a dia, “positivo” soa a bom e “negativo” soa a mau. Com o tempo, a neutralidade dos rótulos de Franklin foi confundida com juízos morais:

  • Positivo = elevado, curativo, puro.
  • Negativo = tóxico, desgastante, mau.

Nada disto tinha sido a intenção de Franklin. Mas a confusão instalou-se — e a indústria do bem-estar não perdeu a oportunidade.

Do Vocabulário ao Mercado

Hoje, “energia positiva” é um produto:

  • Quartzo rosa para “absorver negatividade”.

  • Ametista para “elevar a vibração”.

  • Candeeiros de sal dos Himalaias a €120 que parecem batatas radioativas, supostamente a “purificar a tua aura”.

Pedras não limpam estados de espírito. São pedras.

E enquanto isso, os “curadores de energia” prometem desbloquear fluxos com fumo de sálvia e música ambiente. Pergunta-lhes o que é “energia” e vais ouvir palavras como “frequência” e “vibração.” Tradução: não sabem, mas soa místico o suficiente para cobrar €200 por um workshop de fim de semana.

O Instagram tratou de industrializar o conceito: “Good vibes only.” “Your vibe attracts your tribe.” Colado em pores-do-sol, poses de yoga, cappuccinos. As “vibrações” deixaram de ser emoções — tornaram-se branding.

A Física Que Ninguém Quer Explicar

Na realidade, “positivo” e “negativo” vêm da física. Os átomos têm protões (carga positiva) e eletrões (carga negativa). Os protões ficam no núcleo, os eletrões movem-se — e esse movimento é eletricidade.

  • O relâmpago? Eletrões a escapar de uma nuvem carregada.
  • O batimento cardíaco? Um impulso elétrico pelo músculo.
  • O pensamento? Variações de voltagem nos neurónios.

Sem cargas negativas, nada dispara, nada bate, nada pensa. “Negativo” não é mau — é metade do circuito da vida.

A Ilusão da Transferência de Energia

Mas o mito vai mais longe: a ideia de que uma pessoa pode “dar” energia a outra, e que essa energia sabe exatamente onde ir. Como se o cansaço fosse uma bateria fraca e alguém pudesse recarregar-te sem fios.

Se fosse assim, os hospitais contratavam curadores de Reiki em vez de equipas de cuidados intensivos. A energia não tem GPS. Os eletrões não dizem: “Vamos reparar os rins hoje.”

Então porque é que às vezes as pessoas se sentem melhor depois destes rituais? Porque algo real acontece — mas não o que está a ser vendido.

  • O toque e a presença acalmam o sistema nervoso.

  • A expectativa e a crença ativam o efeito placebo — mudanças reais na forma como o cérebro processa dor, stress e humor.

  • A ligação social baixa o cortisol e aumenta a oxitocina.

É por isso que estes rituais de “energia” parecem funcionar. O ritual foca a atenção, cria expectativa e transmite cuidado. O corpo responde. O efeito é real — mas a explicação está errada.

O Que Isto Significa na Massagem

A massagem é um exemplo perfeito. Quantos clientes dizem sentir-se “recarregados” ou “cheios de energia” depois de uma sessão? Mas não houve nenhuma transferência mística. O que houve foi:

  • Libertação muscular, mudando os sinais enviados ao sistema nervoso.

  • Ativação do sistema parassimpático, abrando coração e respiração.

  • Toque, confiança e crença a reforçarem o efeito placebo, amplificando o alívio.

O resultado parece “fluxo de energia” porque o corpo mudou de estado. Não por correntes invisíveis, mas por biologia + expectativa, enquadradas num ato de cuidado humano.

Conclusão

O culto da “energia positiva” nasceu de um rótulo que Franklin precisou de escrever no caderno, não de sabedoria universal. Mas desse acidente nasceram candeeiros de sal, hashtags, retiros e pseudo-ciência a render milhões.

Da próxima vez que alguém disser “protege a tua energia”, traduz com precisão: “Eu preocupo-me contigo.” E isso já basta. Porque a energia real não quer saber das tuas vibrações — mas o teu sistema nervoso, esse sim, responde.

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